A maioria das pessoas tem a ideia errada de que os médicos humanos são muito mais competentes do que os veterinários, pensando que os veterinários só precisam dar aos animais algumas injeções de medicamentos veterinários e que os médicos humanos estão mais do que qualificados para diagnosticar e tratar animais; essas opiniões são baseadas em uma séria falta de compreensão.
As diferenças entre a medicina humana e a medicina veterinária são enormes. Tome a medicina interna como exemplo. Eu vi muitos casos em que medicamentos contendo paracetamol foram administrados a gatos. No entanto, os gatos não possuem o
gene UGT1A6, o que os torna incapazes de glucuronidar o paracetamol—tornando a substância extremamente tóxica para felinos.
A medicina veterinária também é uma ciência. Abaixo, discutirei as diferenças entre a medicina humana e a medicina veterinária sob vários aspectos, incluindo testes laboratoriais, cirurgia e medicina interna.
Sistema Cardiovascular
1. Estrutura Miocárdica
O miocárdio humano (a camada muscular intermediária) é relativamente espesso, especializado para contrações contínuas e adequado para atividades de resistência. O miocárdio felino é mais fino, mas o ventrículo direito é maior e mais flexível, permitindo contrações poderosas necessárias para velocidade explosiva.
2. Aterosclerose
Aterosclerose é comum em humanos e uma das principais causas de doenças cardiovasculares, mas é extremamente rara em cães e gatos. Uma razão chave é a ausência de
proteína de transferência de ésteres de colesterol (PTEC) em caninos e felinos, que promove a produção de lipoproteína de alta densidade (HDL₁) em seus corpos, tornando-os muito menos suscetíveis à aterosclerose.
3. Etiologia da Hipertensão
A hipertensão essencial (de causa desconhecida) é prevalente em humanos. Em contraste, a grande maioria dos casos de hipertensão em cães e gatos é secundária, o que significa que é causada por condições subjacentes, como doença renal ou hipertireoidismo.
4. Anatomia Cardíaca
Em mamíferos domésticos, a válvula da veia cava inferior é geralmente hipoplásica ou ausente. A válvula do seio coronário é vestigial em animais domésticos. Na cavidade ventricular esquerda de gatos, tendões falsos—fibras finas não ligadas às lâminas da válvula—podem ser observados. A banda moderadora é uma estrutura característica em forma de banda branca visível na cavidade ventricular direita de cães. A maioria das válvulas tricúspides em cães e gatos possui quatro lâminas. Em humanos com prolapso da válvula mitral, a lâmina posterior é a mais comumente afetada, e o curso da doença é geralmente benigno. A vista apical de quatro câmaras não é recomendada para diagnóstico. Em cães, a lâmina anterior (duas vezes maior que a lâmina posterior) é o principal local de envolvimento. A doença valvular degenerativa tem uma incidência maior em cães, frequentemente levando a insuficiência cardíaca severa, e seu prognóstico é menos favorável do que em humanos.
5. Cardiomiopatias & Endocardite
Em humanos com
cardiomiopatia hipertrófica (HCM), um gradiente de pressão em repouso significativo está associado a um alto risco de morte súbita cardíaca; essa correlação não foi confirmada em gatos. A cardiomiopatia restritiva felina é idiopática e não infiltrativa (sem deposição de amiloide), o que difere da forma humana. Em cães, a endocardite afeta com mais frequência a válvula mitral, seguida pela válvula aórtica.
6. Limitações das Técnicas Diagnósticas
O
fórmula de Teichholz—um método derivado de dados humanos para estimar o volume ventricular—é inválido para gatos; por exemplo, sugere erroneamente que o ventrículo esquerdo felino está significativamente alongado. Turbulência não deve ser detectada via Doppler colorido em cães saudáveis, mas pode ser observada no trato de saída ventricular direito de gatos sem anomalias cardíacas. Devido à alta frequência cardíaca dos gatos, a onda E diastólica e a onda A em
imagem Doppler de tecido (TDI) frequentemente se fundem em uma única onda EA, o que limita a aplicação dessa técnica na avaliação da função diastólica felina. Em humanos com frequências cardíacas mais lentas, a onda E e a onda A geralmente são claramente distinguíveis.
Hematologia
1. Coagulação & Características das Células Vermelhas do Sangue
Os animais possuem fatores de coagulação únicos: o sistema de coagulação humano inclui os fatores I–XII, em comparação com I–VIII em cães e I–IX em gatos. As células vermelhas do sangue fetais da maioria das espécies têm maior afinidade pelo oxigênio do que as células vermelhas do sangue maternas, mas os gatos domésticos são uma exceção. As moléculas de hemoglobina felina contêm de 8 a 10 grupos sulfidrila reativos (contra 2 a 4 na maioria das espécies), tornando-as altamente vulneráveis a danos oxidativos e formação de corpos de Heinz. Assim, um pequeno número de corpos de Heinz pode estar presente no sangue de gatos saudáveis. O baço felino é não-sinusoidal, portanto, sua eficiência em eliminar esses corpos é relativamente baixa. Existem dois tipos de reticulócitos felinos: agregados e pontuais.
2. Características das Plaquetas
Plaquetas felinas (
megatrombócitos) são geralmente maiores e mais heterogêneas em tamanho, o que faz com que seu tamanho se sobreponha ao das células vermelhas do sangue. Isso torna a contagem de plaquetas usando métodos tradicionais de impedância potencialmente imprecisa. Em cães, o fator von Willebrand (vWF) é armazenado principalmente em células endoteliais vasculares, com conteúdo mínimo em plaquetas.
3. Leucócitos & Medula Óssea
Os grânulos de eosinófilos felinos têm uma aparência única em forma de bastão ou segmentada; os grânulos caninos são redondos (com variações em tamanho e quantidade entre as raças), assim como os grânulos de eosinófilos humanos. Ao contrário dos cães, gatos saudáveis tipicamente não têm reservas de ferro que possam ser coradas em sua medula óssea.
Sistema Visual
1. Estruturas Orbitais & Oculares
Os humanos têm órbitas fechadas completamente cercadas por osso. Cães e gatos têm órbitas abertas ou incompletas, com o aspecto lateral fechado pelo ligamento orbital, permitindo uma abertura de mandíbula mais ampla. Cães e gatos possuem músculos retratores do bulbo especializados para retrair o globo ocular, bem como uma membrana nictitante (terceira pálpebra) totalmente funcional para proteção e secreção de lágrimas. Os humanos têm uma camada de Bowman, uma estrutura ausente em cães e gatos.
2. Íris, Humor Aquoso & Visão Noturna
O ligamento pectinado em cães e gatos é um feixe fibroso que conecta a raiz da íris ao limbo; essa estrutura é vestigial em humanos. O ângulo iridocorneano humano contém o canal de Schlemm para drenagem do humor aquoso. Cães e gatos têm uma camada reflexiva atrás da retina (o tapetum lucidum) que melhora a visão noturna (fazendo os olhos brilharem no escuro)—uma característica não encontrada em humanos. Os humanos têm uma fóvea centralis (mácula) altamente especializada composta exclusivamente por cones, que é responsável pela visão central nítida.
3. Características da Retina e Acuidade Visual
Cães e gatos não possuem mácula, mas têm uma área central funcionalmente equivalente. Humanos, cães e gatos têm retinas holangióticas, mas as origens do suprimento sanguíneo diferem. Nos cães, os axônios do nervo óptico são mielinizados no disco óptico; em gatos e humanos, a mielinização começa posterior à lâmina cribrosa. Os humanos têm visão tricromática.
4. Visão de Cores e Estado Refrativo
Cães e gatos têm visão dicromática, que é análoga à daltonismo vermelho-verde humano. O padrão humano é emetropia (visão normal). Até 25% dos cães são míopes (especialmente em certas raças). Os gatos tendem a ser míopes na juventude e se aproximam da emetropia na idade adulta.
Pele
1. pH & Funções Glandulares
A pele humana tem um pH ácido, com um valor médio de 5,5. A pele canina é neutra a alcalina, com um intervalo de pH de 5,5 a 7,2—chegando até 9,1 na região dorsal. A pele humana é coberta por glândulas sudoríparas ecrinas para termorregulação. A maior parte da pele de cães e gatos contém glândulas apócrinas, que secretam principalmente feromônios para reconhecimento individual. Pequenas quantidades de glândulas sudoríparas ecrinas estão presentes apenas em áreas não peludas, como as almofadas das patas e o nariz.
2. Síntese de Vitamina D & Ciclo do Pelo
Os humanos sintetizam a maior parte de sua vitamina D através da exposição da pele à luz solar. O pelo canino bloqueia os raios ultravioleta, portanto, os cães não conseguem sintetizar vitamina D de forma eficaz pela pele e devem obtê-la de sua dieta. Além disso, os cães passam por fases de queda significativa de pelo.
Sistema Digestivo
1. Requisitos Dietéticos & Estrutura Esofágica
Os gatos são carnívoros obrigatórios e não conseguem sintetizar taurina, vitamina A ou ácido araquidônico—esses nutrientes devem ser obtidos através da dieta. A saliva de cães e gatos contém quase nenhuma amilase para a digestão de amido. Todo o esôfago canino é composto por músculo estriado (músculo voluntário), enquanto o terço distal do esôfago felino é composto por músculo liso (músculo involuntário).
2. Padrões de Motilidade Gástrica
Cães em jejum exibem um padrão de esvaziamento poderoso chamado complexo motor migratório (CMM) para limpar detritos residuais. Os gatos não possuem um CMM e, em vez disso, têm um padrão mais fraco conhecido como complexo de pico migratório (CPM).
3. Absorção de Vitamina B12
Em humanos, o fator intrínseco para a absorção de vitamina B12 é secretado pelas células parietais gástricas. Em cães, é secretado pelo pâncreas (e parcialmente pelo estômago), enquanto em gatos, é produzido exclusivamente pelo pâncreas.
Sistema Endócrino
1. Hipertireoidismo
O hipertireoidismo felino é patologicamente mais semelhante ao bócio nodular tóxico humano, em vez da doença de Graves— a causa mais comum de hipertireoidismo em humanos, que é de origem autoimune. Além disso, o hipertireoidismo em gatos leva com mais frequência à hipertensão do que em humanos.
2. Hipercortisolismo (Síndrome de Cushing)
As causas do hipercortisolismo são mais diversas em humanos; a síndrome de Cushing causada pela secreção ectópica de ACTH (por exemplo, de câncer de pulmão) é comum em humanos, mas extremamente rara em cães. O fígado canino produz uma isoenzima da fosfatase alcalina (ALP) induzida por glucocorticoides, que é única entre as espécies. Consequentemente, os níveis de ALP estão significativamente elevados em cães afetados. Gatos não possuem essa isoenzima, portanto, níveis elevados de ALP são incomuns em pacientes felinos.
3. Neoplasias Endócrinas Múltiplas e Paratireoide
O hiperparatireoidismo primário em humanos é uma característica de vários distúrbios genéticos. Em cães, uma forma hereditária foi confirmada apenas no Kerry Blue Terrier. A neoplasia endócrina múltipla é uma doença genética bem definida em humanos. Em animais, o termo
neoplasia endócrina concorrente (NEC) é preferido porque sua base genética permanece obscura. Mais de 50% dos casos de diabetes insipidus central (CDI) em humanos são idiopáticos.
4. Diabetes Insipidus & Glândulas Mamárias
O CDI é uma doença rara em cães e gatos. O diabetes insipidus nefrógeno congênito (NDI) é a principal causa em humanos. O NDI congênito é extremamente raro em cães e nunca foi relatado em gatos. As glândulas mamárias caninas são capazes de produzir hormônio do crescimento.
Sistema Reprodutivo
1. Ciclos Estral e Anatomia Uterina
Os ciclos estral e os padrões de ovulação de cães e gatos diferem completamente dos humanos: cães e gatos são ovuladores induzidos, enquanto os humanos são ovuladores espontâneos. O pênis do gato possui espinhos que estimulam a ovulação na rainha durante a cópula. O pênis do cão contém um os penis (osso peniano). Os humanos têm um útero simples, enquanto cães e gatos têm um útero bicorne.
Sistemas Musculoesquelético & Respiratório
1. Principais Diferenças
O músculo tríceps braquial canino tem quatro cabeças, em comparação com três nos humanos. Existem diferenças significativas entre humanos, cães e gatos em termos de número de lobos pulmonares, espessura pleural e integridade mediastinal.
Imunologia, Farmacologia & Toxicologia
1. Diferenças Imunológicas
Em cães, o antígeno CD4 não é apenas expresso em células T auxiliares, mas também em alta densidade em neutrófilos. Os alvos terapêuticos para dermatite atópica diferem: os tratamentos caninos visam principalmente a citocina IL-31, enquanto as terapias humanas se concentram em anticorpos contra IL-4, IL-13 e outras citocinas.
2. Doenças Autoimunes & Tóxicos
A síndrome poliendócrina autoimune (APS) é um distúrbio bem definido em humanos. No entanto, a existência de verdadeira APS em cães permanece controversa, e é extremamente rara em gatos. O paracetamol e o ibuprofeno são altamente tóxicos para gatos porque eles não possuem o gene UGT1A6 e não conseguem metabolizar esses medicamentos via glucuronidação. Inseticidas piretroides também são altamente tóxicos para gatos e nunca devem ser usados neles.
3. Farmacogenética & Respostas Oculares a Medicamentos
Mutação do gene MDR1 são comuns em raças de pastoreio, como os Collies, tornando-os altamente sensíveis a múltiplos medicamentos, incluindo ivermectina e loperamida. Diferenças na distribuição e função dos receptores adrenérgicos nos músculos esfíncter e dilatador da íris de cães e gatos resultam em suas respostas distintas a certos medicamentos oftálmicos (por exemplo, timolol) em comparação com os humanos.
As diferenças disciplinares delineadas acima são apenas a ponta do iceberg, e todas elas apontam para um fato central: as lacunas profundas nas ciências básicas permeiam cada passo do diagnóstico e tratamento, moldando diretamente as decisões clínicas.